Não sou tão bonita como os jornais andam dizendo agora, depois de minha morte. Eu até me acho um pouco tímida, mas os jornais dizem que sou extrovertida. Quando a gente morre pode-se dizer de nós o que quiserem, não estamos mais lá para nos defender. Tanto falam os espíritas em comunicação com os mortos. Pura balela, Ninguém vem se comunicar comigo, nem eu consigo sair deste buraco para dizer o que é o outro mundo que tanto falam sem conhecer. Ah, se eu tivesse podido sair daqui. Não teria deixado o crime prescrever porque eu iria lutar até o fim de minhas encarnações para botar meus assassinos na cadeia, mesmo sabendo que eram poderosos e tinham protetores na policia e na justiça, esta cada mais corrupta porque fechada em si mesmo ninguém tem coragem de botar pra fora todos seus podres. Sairia daqui e iria correr os quatros cantos do mundo onde tivesse um centro espírita, um terreiro de macumba, um ashram, um templo taoista, o miao, um templo budista e qualquer outro templo de religiões que praticam culto de comunicação com os mortos. Iria sim dizer tudo o que aconteceu. Mas como posso sair daqui? Andaram até invocando meu nome no velho Instituto Espirita Pirajá de minha terra, Nazaré das Farinhas. Sim, porque sou de lá, daquela terrinha. Terras de tupinambás em constantes brigas com Aymorés do sertão a dentro e do aventureiro Fernão Cabral de Ataíde, preso e julgado pela Inquisição por acusações várias. Teria, o coitado, protegido uma tal de santidade tupinambá, levantando-lhe uma igreja com os deuses deste povo. Teria ainda mandado matar uma índia cristã, ter comido sua comadre Luísa D´Almada dentro da Igreja de sua sesmaria, (Que garanhão), desrespeito ao clero e santo sacramento, apadrinhar o matrimônio de um bígamo, acusado de ser judeu novo, de praticar sodomia com uma índia virgem, e, ainda fazer louvações à fornicação e proteger uma feiticeira. É muito pecado para um homem só. Se existisse inferno, como eles diziam que existe, porque sei que não existe, o que existe é esta eterna escuridão aqui dentro deste buraco, o cara estaria frito. Como foi acusado de sodomia com uma índia, com certeza iria querer comer o cuzinho dele. Mas quem disse que eu apareci? Ah, se eu pudesse mesmo aparecer. Não iria ficar pedra sobre pedra. Denunciaria a todos.
Marlene? Sou, Engelhorn. Herdei uma fortuna e nada fiz para isto. E o Estado nem cobra impostos para redistribuir. Você, caro leitor deste mundo louco, acha isto justo? Tão jovem com tanto poder? Não sei como gastar. Injustiças do mundo. O trabalhador paga impostos de seu suado xelim. Não se redistribui, até um dia estourar tudo. Terão todos a paciência dos indianos? Não, o mundo pode estourar um dia. Guerras civis, entre nações, mundial, nada mudará. E o rico torna-se mais rico. E o pobre, mais pobre. Reabre-se o caminho, mais guerras. Cíclicas. Veja-se o dálite, quanta aceitação quanta paciência! Até quando? Os tiroteios em Norteamérica. Ataca-se escolas, hospitais, clubes, festa. E eles, querendo esconder uma revolução efervescente, calam o atirador, matando-o e constroem uma narrativa. Lobo solitário, esquizofrênico, paranoico e outros epítetos e há quem acredite. Até o dia em qu...
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