Se arrependeu de ter emprestado seus dólares
para Rolembergue. Confirmado estava.
Brasileiro, povinho enrolado. Francês não gosta de brasileiros, com razão.
Zuadentos, metidos a gás com água e
mal-educados. Olhava o quadro de anúncios n`Aliança Francesa. Só por hábito, porque não
queria mais ajudar ninguém, depois de lhe terem roubado tudo em uma festa que
dera. Perfumes, roupas, sapatos que ganhava das lojas onde levava turistas.
Rolembergue ouvira falar. Chamam-no Consul Particular do Brasil. Desconfiavam
até. O cara é do DOPS, quem não vê? Está sempre discutindo política, para
descobrir comunistas, esta, uma das táticas do DOPS. Infiltração. No Brasil está tudo minado, há informantes
até nas latrinas, a gente deve ter cuidado. Não é bolsista, não é rico, quem o
sustenta? Não é exilado político, como Valdir, Juscelino e Arraes. É Alcaguete, com certeza, dedo
duro. Diz, com orgulho, ter criado o termo racista para os que vieram a Paris,
sem bolsa de estudos, e que foi o primeiro racista a chegar. Quem viu? Nossa ficha no DOPS deve estar mais suja do
que pau de galinheiro. Não porra, ele é mesmo um cara retado. Veio praqui
sozinho. Não esperou a “gloriosa”
intervir, se picou logo. Quem espera tempo ruim é lagedo. Ou jegue.
Nordestino é gente? Você é do Nordeste, não é? Não, sou do Leste. Do Leste?
Onde é o Leste? A Bahia fica no Leste do Brasil. Ah, então eu também sou do
Leste, porque sou de Sergipe. É. O quintal da Bahia. Não, o jardim. Queria que você me conseguisse um Studio. Chegando agora, não falo francês, não conheço nada. Não
queria incomodar, mas. Prometi não ajudar mais ninguém. Brasileiro só quer levar vantagem. Quando consegue o que
quer, adeus. Desculpe, mas nem todos são
iguais, você não deve generalizar. Esta é minha experiência com brasileiros.
Estou te pedindo um favor, em nome da
cordialidade brasileira. Tá legal, só porque você é sergipano, vou dar uma ajudinha, tenho
alguns amigos lá. Verdade? Diga um, talvez conheça. Rolembergue. Rolembergue
sou eu. Abraços, chorôrô e abraços. Terra, apenas mantissa do universo. Quanto
orgulho, o terráquo se acha o rei da cocada preta. Não passam de um cisco no
universo intergaláctico. Guardara por
tanto tempo seu dinheiro para depois, como um palerma, entregar a quem não
precisa. Alguns têm o dom de enganar, por isso dominam. Filho, neto, bisneto, trineto ou lá que o
seja de coronéis. Não precisa do dinheiro de quem o ganha com sacrifício e suor de seu corpo. Puro prazer de enganar,
educado para dominar, outros para obedecer.
Deus assim dispôs. Necas de
pagamento. O valor se perdeu na vala do esquecimento, se diluiu no tempo,
prescrito para cobrança. Obrigação o
tempo apaga, não a lembrança. Sei que me
deve, saberá ele? É noite em Paris,
precisa dormir cedo. Pegar o trampo nas Messageries Maritimes, limpar a bosta
para o francês cagar novamente. Rolembergue não o deixa dormir, não é ele que
vai limpar bosta, filhinho de papai, mauricinho. Quer saber de sua vida. Seu
primeiro amor. Do internato para colégio
público. Noites doces com a presença dela. O latim do professor Petrônio
aguçava a curiosidade da amada, seu melhor aluno. Bela Trifena, sed mulier, quae mulier, miluinum genus. Se quiseres sofrimento
ama. Lembra-te do que diz Epicuro. Se
não és senhor do amanhã, por que
adiar o momento de gozar o prazer
possível? Consumimos nossa vida a esperar e morremos empenhados nessa espera do
prazer. O prazer é agora. Amanhã serás verme, ossos e cinzas que
alimentarão as ervas, alimento de pássaros,
insetos, vertebrados e invertebrados, mamíferos e outros bichos, até o gás que tu cozinhas, e o petróleo que
move o mundo. Que mistério a vida nos esconde? Não queiras saber, só do agora és
senhor. Goza-o com todas tuas forças, nunc et semper, como bem aconselhava
Gregório de Matos:
Goza, goza
da flor da mocidade,
Que o
tempo trata a toda ligeireza,
E imprime
em toda a flor sua pisada.
Ó não
aguardes, que a madura idade,
Te
converta essa flor, essa beleza,
Em terra,
em cinza, em pó, em sombra, em nada.
Continuação no livro Noite em Paris, breve nas livrarias.
Continuação no livro Noite em Paris, breve nas livrarias.
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