Dezassete de dezembro de 2006, Ita, vixi, quarenta e
cinco anos mais sofridos que vividos. Queria matar um deputado. Peixeirada sem mal nenhum. Quem tem fome não tem
força. Nem sabia se queria mesmo matá-lo
ou chamar atenção. Ambições sufocadas por pensão que não pensionam. Flagrada, indiciada, encarcerada. Olham-me como uma besta-fera. Confessar o que? Louca, débil mental. Desmoralizam a revolta: Ato insano. Um presente em Brasilia: Reajuste de
noventa e um por cento, aos deputados, beira os índices de pobreza. Democracia, invenção de quem
está no poder. Fingir que o povo governa; Diverge e serás um louco,
ridicularizado. Destino. Cadeia, manicômio, e morte. Médico corruptos atestam tua loucura. Assim foi na União Soviética, é nos Estados
Unidos, no mundo. Grossas verbas para a
imprensa que é deles e o cara é um maluco, um palhaço. Mundo, poucos mandam,
muitos obedecem. Com pão e circo,
mais circo do que pão, te governam. Indústria da diversão. Um anestésico. Tu te
esqueces de ti. A democracia do mundo, de mentira, só os dominados obedecem,
cumprem leis, eles, fazedores deleis, não precisam cumpri-las. A liberdade
cantada e decantada por códigos e constituições não é para mim, nem para ti, a
nós, o eito, bestas de carga. Ontem, hoje e amanhã, se ficarmos parados, e, a
lei para obedecer. Aqui é só penar, se não me matarem antes, como dizem fizeram
com o genro e também da filha. Nunca se sabe a verdade. Como não ter medo? As
detentas não me olham com bons olhos. Maluca, assassina do menino. Nem matei já
sou assassina. Não, arrepender é negar
tudo. O que é dele tá guardado. O velho pode botar as barbas de molho. Dirão um
dia. Voz do negro, voz do pobre, eles
têem nojo, não se calou. “Revoltada com supersalários, mulher esfaqueia ACM
Neto na rua” Num jornal. É um inicio. Heroína,
fez o que não temos coragem, Faca sem
chaira, sem queijo. Quicé. Mas teve efeito. Liminar de Lewandowski. Eu. Imploro minha padroeira. Adianta? Eu
imploro. Ó Gloriosa e Poderosa Rita de Cássia, santa das causas impossíveis,
advogada dos desesperados, auxiliadora da última hora, refúgio da dor e
desesperança, em vosso poder junto a Jesus do Sagrado Coração tenho confiança, a vós recorro contra as
forças do destino, não me abandones nesta hora, me livra da opressão dos
grandes. Esperar. Interrogatórios. Frio, aqui. Estes gritos me enlouquecem. Que
luz é esta na minha cara? E estes ruídos, de onde veem estes ruídos? Querem-me
cega e surda. Sede, quero beber. Pão e água. Lá fora tinha circo. Que não deem
telefones, nem pau de arara, basta o corredor polonês. Tu inda vai matar o
menino? Gazela. Vagabunda, puta, negra sem vergonha, Macaca imunda. E pensar
que muitos deles eram negros e negras. Batiam
como os capitães do mato. Se não fosse o traidor, a vitória não seria tão
fácil. Deputados, tudo têem. Eu, nem o FGTS. Não tenho medo. Vão dizer que me
suicidei. Juca suicidou-se? E eu, quem
vai me defender? Só o futuro. O tempo é
como água, lava tudo. Você acredita mesmo que me suicidei? Oh!, meu amigo, só
você mesmo pra me visitar. Coragem, correndo perigo. Te devo esta visita. É, também, parte do que sou a ti agradeço; Nunca antes tinha pensado. Escravidão. Algo
distante e uma boa princesa, acabando, de uma canetada. Ingenuidade, você
disse. Não aguentavam mais sustentar a negraiada. Casa, roupa e comida. Melhor
pagar, a lei da mais valia. Paguemos nós
o dia, e que se dane casa, roupa e comida. Treze de maio. Vai vender teu dia, sem teto, sem terra, sem roupa, sem comida.
Mudou a forma, os escravos continuam. Ah, meu amigo, não fosses tu, talvez não
estivesse aqui. Não, não me lamento. Ipiau, na festa de São Roque. Você se lembra? Te vi, te olhei,
quase chamando. Você veio, estava indo
embora. Sem roupas, estavam sujas. Uma
camisa de meu irmão e ficastes. Meu primeiro beijo, quase roubado, fui eu que o roubei, ladra. Japumirim,
no oitão de casa, amar, amor. O meu
primeiro. Sumistes, depois, tu não sabes quanto sofri. Fui a Gandu te procurar, lembra? Você prometia ir me ver. Sabia de ti, diziam,
esteve aqui. Não veio me ver. A audiência terminou tarde, tinha de voltar. O
Rio de Contas, nem te conto, meu choro ouvia, neste dia. Mais Ligavas, mais sofria. Eterno é o tempo. Olhos abertos para o mundo,
te agradeço. Tupi das arábias, escrava na pilhagem do cristão. Banzo. No mar
não ser jogada, sorte minha, por não comer, querer morrer, açoitada. Por o patrão entrar em mim, não reclamar, não abortar, nem matar filho gerado, futuro escravo, não morrer da
própria mão, rícino comida, água com peçonha e roupas virulentas. Faziam os senhores.
Escravos. Piedoso cristão, adoradores de paus cruzados. Trago-a em mim. Amiga, perdão, amor, provo agora. Mais que amizade, mais que amor. Amigos, onde
estão? Assim eu sou. Não me leves muito a sério, nem mesmo eu me levo. Eterno é agora. Não foi ontem, nem amanhã. Tempo não se conta. É. Ele é. Eu,
sei e não te recrimino. Até tu falavas. Elas, mais do que tu, te procuravam. Ione, você
amou, quase morreu. Se te encontra em casa, que a levasse a Itamari. Quem a levou encontrou com ela a
morte. Torturados ele e ela. Dinheiro sexo e poder. A trindade, sempre
juntos. Papas renunciam, carnaval, vale a carne, dinheiro, carne, poder. Se
ajustou na cadeira, plástica, incômoda, arranhada, carrara de pobre. Eu também,
dura cadeira, duro cheiro. Alcatifas do vaticano, alfombras principescas, baldaquinos reais. Cheiro. Sexo, velhice e
mofo, urina, bosta e suor. Cupins talham madeira.
Ventilador no teto, mais barulho
que vento. Moscas, vão nos devorar. Já, já tocarão a sineta, inda bem, ir-me,
deixando-a sozinha, retornar à cela. Olhar
lascivo de uma detenta. Ela diz estar
com medo. Todas a cobiçam. Frequentes as brigas, qualquer motivo, sexo na
dianteira. Uma espanhola me pede
cigarro. Não fumo. Está por tráfico, pede pra ver seu processo na justiça. Mula, usada, precisava viver. Trabalho de muitos, vida fácil de
alguns. Inda bem, pena de morte aqui não tem. Coitado do Marco Archer,
executado na Indonésia. Boi de piranha, como se diz aqui.
Ita sorri pra mim. Sorrio também pra ela. O
mesmo sorriso de quando a vi, no Trio Elétrico Saborosa. Uma garrafa da famosa
cachaça, tu te lembras? Sim. Saborosa Ita,
Sabrosa Ita, Sabrita não era
assim que te chamavam? Sim, Marita, não era assim que te chamavam? Cúmplices. Todo
cuidado é pouco.
Continuação no livro Noite em Paris, breve nas livrarias.
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