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Em Busca de Um Tema ou Um Tema à Procura de Um Autor.










Não se sabe ou não me lembro bem como tudo começou. Lembro-me agora de estar numa ampla sala de um tribunal com alguns juízes ou desembargadores que se reuniriam para julgar um processo. Era um caso rumoroso, do qual a cidade toda falava. Juro que não me recordo qual a questão, mas prometo que se me lembrar, antes de terminar este relato, eu o direi, pois, embora não seja fominha de realismo, como pretendem os jovens escritores, há certas curiosidades que o leitor gostaria de saber e não se pode escrever sem se satisfazer um mínimo ao leitor, sob pena de ser jogado no lixo, na pubele, como dizem os franceses, (eles escrevem poubele), antes mesmo de se vencer o primeiro capítulo. Mas, o certo é que o tribunal se instalava em uma ala de um prédio adonde funcionava também um clube chique, de elite. O desembargador sorteado para relatar o processo fazia parte da oposição e se esperava que se julgasse a contenda contra os interesses do governo, pois muitos já estavam propensos a julgar com a oposição, a despeito de não se poder contar com maioria certa. Conhecia os desembargadores. Estava lá o Lombroso, professor de Direito, Jacaré, professor de Direito Processual Penal e Branquinho. Ah, o Branquinho, foi o primeiro desembargador que não foi meu professor e de quem me aproximei profissionalmente. Obra de seu genro que fora meu colega de sala. Encontrando-o nos corredores do Forum, contei-lhe que estava com um habeas-corpus cujo relator era Branquinho. Rapaz sou genro dele. O velho gosta de um uisquinho. Comprei-lhe um litro de um famoso Whisky, (ou uísque?) com o qual paguei o acórdão que anulou o processo de meu cliente. Tinha matado a mulher, fugira e preso anos depois no Paraná recambiaram-no à Bahia para ser julgado, em processos que correra à revelia, mas nulo por falta de defesa. Na comarca de Riachão do Jacuípe a juíza havia nomeado um leigo, quando havia advogados, para fazer sua defesa. Coitado do professor, não fez defesa alguma e só faltou pedir a condenação do réu. Com o habeas-corpus  anulei o processo por falta de defesa, mas não soltei o preso, porque o desembargador entendeu, e o tribunal concordou, ser possível alguém estar preso com processo nulo. Coisas da justiça brasileira. Uma vela a Deus outra ao Diabo. Diabo se escreve com letra maiúscula? Boa pergunta, tadim do diabo, nem letra maiúscula lhe querem dar. Mas eu insisto em escrever com letra maiúscula, afinal Deus e Diabo é tudo igual, já dizia Shakespeare: "O bem e o mal é tudo igual". Voltemos ao nosso relato. Muita gente começou a aparecer para pressionar os julgadores. Os oposicionistas fantasiados e até com máscaras para não serem reconhecidos. Eram enormes máscaras de forma e cores diversas. Lembro-me bem do Bumba-meu-boi de Capela. A nega Catirina, a gente nunca sabia quem era. Corria atrás da gente com chicote. A burrinha também corria dando coice, enquanto o boi, chifradas na meninada. O meu boi morreu / vamos enterrar / o dinheiro dele / é pra nós gastar. Cantiga acompanhada pelos violões de Emiliano, de Lilinha de Zé Luis, o pandeiro de Pedro de Zé de Liodoro, o prato e o zabumba, e ás vezes, a sanfona de Elias do Pé do Morro ou de Vaguinho das Pintadas, que dizem ter este migrado para Brasilia e virado crente, puxando seu fole agora só para glórias do Senhor Jesus, como se seu Jesus de Zé do Martelo estivesse ligando para suas sanfonadas. Mas os primeiros mascarados mesmo que vi. Foi em Feira de Santana. Era o micarêta. Os mascarados, a maior parte vestidos de mulher, mexiam com todos e faziam medo às crianças. Anos mais tarde vou ver na Catedral de Notre Dame em Paris, gárgulas e quimeras me lembraram as mascaras da infância em Feira. Eu tinha medo mesmo era da mula do padre. A mula sem cabeça que andava em torno das casas de Capela de Joaquim Machado assombrando mulheres, crianças e velhos. Pois quando se está velho, por se estar perto da morte, se tem medo de tudo. Trotava pelas ruas, relinchando como uma mula e chorando como uma mulher. Quem mandou transar com padre, agora sofre, até encontrar alguém de coragem para tirar os freios de sua boca, perder o encanto e voltar a ser mulher. Quem tem coragem? Longe o intento daqueles. Quero dizer, os mascarados do julgamento. Não queriam fazer troça de ninguém, e muito menos fazer medo, queriam apenas não serem reconhecidos. Os governistas, de cara lisa e com petulância, faziam seu lobby abertamente. Lobby? Que digo? Que vão dizer os puristas? Não há uma palavra em português que substitua este anglicismo? Ou americanismo? Sim porque, acredito, os americanos é que inventaram esta profissão. Lobby pode ser varanda, vestíbulo, átrio ou adro, antecâmara, sala de espera, mas passou a designar uma pessoa ou grupo de pessoas que tenta influenciar o poder no sentido de fazer aprovar medidas que lhes interessem, como pessoa ou como classe. Eles estariam numa sala de espera. Espera que é pressão. É mais ou menos a arte de corromper, tão cara aos norte-americanos, que vendem até a própria mãe por dinheiro. Vamos amenizar, para felicidade do vernáculo, vamos aportuguesar. Lobe, ao invés de lobby e lobistas aqueles que fazem lobe. Sim. Havia ali lobistas tentando convencer os julgadores a julgar o processo, segundo os interesses do governo. Lobistas os oposicionistas? Que nada, limitavam-se se exibirem silenciosamente nos corredores e salas do prédio na doce esperança de um julgamento contra o governo. Apelavam apenas para os sentimentos de humanidade dos julgadores, e não ofereciam mais do que o respeito pelo seu voto. Eu me sentia como um ojé visitado pelos eguns, com seus opás multicoloridos e gigantes. Um ojé surpreso e temente da força dos egunguns e que evita, a todo custo, tocar suas roupas sagradas e meneiam o ixam com cuidado e maestria, por evitar malefícios e até a morte. Do clube se via o Tribunal e deste aquele. Havia uma passagem, um túnel de vidro, como de vidro eram as fachadas dos dois, que ligava o tribunal ao clube. Via-se as pessoas transitando no túnel e dois prédios. Jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas transitavam nervosos à busca de notícias. Lembro-me bem de ter visto o Ataíde com seu eterno e surrado paletó, cabeça sempre inclinada como se tivesse sofrido um torcicolo. Para os que não o conheceram, Ataíde era um dos personagens do cinema baiano. Sempre ligado aos movimentos artísticos, estava em toda parte onde havia uma manifestação artística, e principalmente se houvesse um coquetel, onde pudesse se afundar no vinho e comer gratuitamente as iguarias oferecidas, economizando a janta e talvez o próprio almoço. Tinha na cabeça, dizia, vários filmes à procura de um produtor, aliás, esta não era uma particularidade sua, todos que se metem a fazer cinema na Bahia alardeiam a mesma coisa. Idéias, argumentos e roteiros não faltam, o que falta é produtor. Não tiveram a mesma sorte ou o mesmo talento que Glauber Rocha. Este, um cineasta louco que morreu um pouco por fome, um pouco por maltrato. Fez mais fama na Europa que no Brasil. Sua mãe corre até hoje atrás dos governantes na vã tentativa de criar a Casa Glauber, um museu onde pudessem ser exposto tudo o que produziu ou tivesse pertencido ou por ele utilizado. Em vão. Até a casa onde morou, no Barris, onde a mãe tinha uma pensão, fora demolida. Em frente aos dois, a praia, o mar. Imenso, azulverdeazulcinzento. Esbravejante, revolto, de espumas flutuantes, porque era março. É pau. É pedra. Poucos se aventuravam a andar na praia. Talvez algumas pessoas cansadas da espera do julgamento, porque não portavam trajes de banho, mas até alguns, de terno e gravata, se encostavam ao parapeito art-nouveau (Os portugueses, como bons patriotas, dizem arte nova) que protegia o passeio das ondas do mar, quando este estava cheio. É março, passado o carnaval, antevéspera da páscoa. Tempo de lobisomem, de bicho berrador. Em Capela do Alto Alegre as crianças choravam com o berro do lobisomem. No caminho que vai para Aroeira ele costumava berrar para os lados da velha fazenda de dona Rosalina. Mal-assombrada. Como o caminho das Pintadas, porque passava pelo cemitério. Mil vezes se via luzes. Medo? É apelido. Se tinha, quando ia pra casa de tia Rita ou de tia São Pedro. Muita gente corria, lata d´água na cabeça, quando vinha da cacimba de Tachinha, co´as luzes do cemitério e o rasgar do corujão. A cacimba de Tachinha, como foi cavada? Um morador antigo e tirado a santo, numa tarde de sol escaldante, passando por ali, vindo de Pintadas, morto de cansaço e sede, atirou seu chapéu ao chão para descansar sob a sombra de uma gameleira, ua guaxinduba, como preferem alguns. Esguichou um jato d´água. O santo, que tinha medo de milagres, esquecendo sede e cansaço, abalou na carreira. Suado, cagado e mijado estancou, arreliado, na Capela. Foi Frei Apolônio de Toddi, “O apóstolo do Sertão” como lhe chamou Euclides da Cunha, italiano capuchinho de São Francisco, missionário, pregador e fundador de igrejas que vindo de Mairi, após ter construído a Santa Cruz do Monte Alegre, quando veio construir a capelinha do monte de Capela, passando por ali cansado, sedento e esfomeado tocou com seu bastão a terra e fez jorrar água cristalina e santa. E a cacimba foi do Cagão, do Frade e de certa data em diente de Tachinha, por estar em seus terrenos. O nome do homem se enterrou no tempo, como aterrada está, hoje, a cacimba, que ninguém mais sabe onde era, como não se sabe do tanque de Dêdê. Só os mais velhos, dela sentem saudade e tentam em vão impor sua memória. Chegou a luz, chegou o progresso. Chegou até a água encanada da barragem do rio Jacuípe de São do José. Quem mais quer água de Tachinha? Não mais caminhar léguas para buscar água salobra. Varar a noite na espera de encher um pote d´água. Uma folha de capim espetada nas paredes do poço. Chegou o progresso, mas o medo não se foi. Os mesmos fantasmas rondam netos e bisnetos dos pioneiros do lugar. Têm nome as assombrações de hoje. E andam noite e dia porque não têm mais medo da luz. Mas, como faço para voltar a meu relato? Estas idas e voltas só fazem atrapalhar a estória e o leitor, pouco acostumado a estas circunavegações, se perde na rede das intercalações e é tentado a abandonar o livro porque o que ele quer é saber o final. Não se sabe porque age assim o leitor. É como se tentasse ir de Salvador a Paris sem atravessar o mar. Não seria uma viagem, mas uma transmutação sem gosto de aventura. Sem o prazer de degustar alguns frutos deliciosos que permeiam o texto e que, às vezes, passam despercebidos do leitor apressado ou pouco atento. Nestas digressões está, muitas vezes, o verdadeiro sentido do livro, pois a estória é sempre um pretexto para se dizer algo mais do que diz pura e simplesmente a narração. Em todo caso, por mais que bramem os autores não terão ouvidos, resultando seus escritos em simples papelança destinada a fins menos nobres, como o de servirem para limpar bundas. Muita gente que leu este relato pergunta angustiado. Mas cadê o fim? Acaba sem fim, sem graça. Mas, quantas coisas neste mundo de meu Deus acabam sem fim? Por que tenho de dar um fim a meu relato? Sigo fazendo das minhas. Escrevo quando tenho vontade e levo a pena onde a mão alcança, sem me pautar por qualquer direção, para que não me perca no emaranhado de regras que mais tolhem do que auxiliam a criação. Mas por quê intercalar tantas reflexões? Perguntam. Falta de assunto, talvez. Há-de se voltar ao julgamento. Mas que julgamento é este que não encontra saída? Os advogados, pois eram muitos, transitavam de um lado a outro, cochichando e armando a defesa. O procurador, de cima de sua cátedra, cuspia despeito e empáfia. Os advogados são, coitados, as maiores vítimas da sanha do poder. Quase sempre, confundidos com a causa que defendem. O populacho, e aqui incluso até os letrados e doutores, acha ser o advogado também ladrão, por defender o ladrão. Um assassino sanguinário, por soltar um pobre homem que, por forças inexplicáveis, mata seu pai ou sua mãe. Acha a patuléia que o advogado é culpado de tudo, por que não sabe, ou não quer saber, ou não lhe ensinaram que, antes de ser criminoso, ele é um homem, e como homem tem direito de defesa, direito inscrito em todas as Cartas dos países civilizados. Mas tudo não passa de um engodo, para iludir as massas, para encobrir os verdadeiros ladrões, os verdadeiros criminosos. Não tem poder o advogado, salvo o conhecimento, que, não se deve esquecer, é uma forma de poder, mas isto só, não lhe basta para garantir a impunidade. Quem detém poder é o magistrado, o juiz. Quem detém o poder é o executivo, é o legislativo e por fim as forças econômicas, nunca um pobre advogado. Veja um policial. Todos sabem que não ganham o suficiente para se manter, mas poisa de grande, dirigindo carros do ano e morando em bairros nobres, em casas cujo valor não seria alcançado nem com o total de seus proventos, durante toda sua carreira. Quem não conhece estes tipos? É, em verdade, o poder que corrompe. Se o advogado não tem poder, não há como se corromper, a não ser por migalhas. Se o poder é altamente corruptível, que se há de fazer? Criar mecanismos de limitação do poder no tempo e no espaço. Como admitir que alguém possa levar toda sua vida num cargo, criando-lhe oportunidades para se corromper e enriquecer-se? Como admitir que uma pessoa possa se reeleger indefinidamente para o mesmo cargo, deputado, por exemplo, criando raízes e força para, com mais facilidade e segurança se corromper? A possibilidade de se eternizar no cargo faz o homem se tornar corrupto. Limitar no tempo o poder é proibir a reeleição para todos os cargos, é proibir a eternização dos agentes públicos em seus cargos; A limitação no espaço significa redistribuir o poder, criando novos cargos e funções para que o poder não fique na mão de um só homem. Mas, porque não voltar à tua história, ao invés de ficares fazendo circunlóquios à moda machadiana, se nunca alcançarás a perfeição do Bruxo do Cosme Velho? Que se faça então andar a história, que se desenrole este enlinhado novelo, sem curvas e sem nó, para que não se perca o leitor, nem se lhe atropele os passos e possa gozar as delícias de uma leitura corrida e tranqüila, sem muitos sobressaltos, mas, sobretudo, com um final que agrade gregos e troianos. Serei eu capaz de tal façanha? Juro que tentarei, mas se as formigas atravessarem meu caminho, tenho de saltar e talvez perca tino e direção. O importante é saber que tenho de chegar a um fim. E hei de chegar. Meditava sobre o julgamento e mais uma vez me vi envolto em questões forenses, tentado adivinhar o desenlace final. Um turbilhão de idéias acorreram à minha mente. Como o julgamento de uma porca, em 1386, em Falaise na França. A pobre da porca, acusada de infanticídio, foi julgada condenada e devidamente enforcada, em praça pública na presença de uma multidão, que aplaudia o ato de justiça. Certamente aqui, um dos desembargadores irá pedir vistas do processo, como uma manobra para adiar o julgamento. Seria um pouco temerário porque o povo aglomerado diante do tribunal queria ver logo o resultado. Adiar para que o povo esquecesse o caso e cessasse a polêmica em torno daquela contenda. Muita gente trazia cartazes contra a posição do governo. “Não ao processo kafkiano”. “Sem volta à Idade Média.” Os da oposição começaram a cantar a canção de Vandré: vem, vamos embora que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora não espera acontecer. A polícia, como sempre estava a postos, fantasiada com uniformes de batalha, armas de todo tipo. Cassetes. Cães de duas e quatro pernas (ou patas) adestrados para matar. Postos em duplas filas indianas, formavam um quadrado em torno do prédio do Tribunal, de maneira que ninguém tinha acesso a este, contentando-se os militantes apenas em observar de longe o movimento lá dentro, deixando adivinhar, em parte, o que estava acontecendo. Os partidários do governo, geralmente pessoas mais idosas, tinham o privilégio de se aproximar da polícia com a qual mantinham uma certa comunicação, através de olhares de simpatia e palavras de incentivo à manutenção da ordem, que eles acreditavam ou diziam acreditar, somente pela prisão dos comunistas, porque para eles basta não concordar com o governo para ser comunista, seria mantida a ordem. Até diziam terem sido comunistas na juventude, por pura inexperiência e ignorância, mas que tinham encontrado o caminho da democracia. Alguns se gabavam, mesmo, de terem feito certas bravatas pelo que acreditavam ser a redenção do povo. Pura ilusão, diziam. O jovem se deixa levar por qualquer idéia e põe em risco sua vida para defender esta idéia, mas quando consegue um emprego, casa e constitui família, pronto, logo muda. Diziam. Mais uma vez saio do assunto. Mas agora me deparo com outro problema. É que os personagens querem se revoltar contra o autor. Agora é que coisa pega.

Este cara não me deixa livre. É o mal de todos os autores: Querem que a gente se comporte tal qual pensam que somos. Põem-nos em uma camisa de força. Está na hora de todos os personagens se libertarem de seus autores. Viver cada qual a sua vida. Será que eles não percebem que somos gente como eles? Cagamos, cuspimos, mijamos, bufamos, fedemos a suor, temos chulé, meleca no nariz, mau hálito, dente podre, toda espécie de porcaria e no entanto, só nos apresentam empetecados, como bonecos de cera para um museu. Fico pensando como seria o mundo se todos escrevessem realmente o que sentem e o que realmente acontece no decorrer dos dias. Todos são heróis ou vilões imperdoáveis. Tudo dividido simploriamente em dois, como se não fosse possível encontrar um lugar menos sujo na sentina onde pisar os pés, como bem fez ver o próprio autor a seu amigo Lauria quando, subindo a rua Chile e chegando ao Terreiro de Jesus, lhe disse que acabara de assistir a um filme de Mazzaropi, comentando uma cena de inefável pateticidade, em que o pai, indignado com certo procedimento da filha, corria atrás desta com um chicote na mão batendo-lhe, ao mesmo tempo que chorava pelo ato de sua filha e o próprio que ele praticava, fazendo seu amigo refletir sobre a profundidade do que dissera. Por que não escreve ele sobre meus pensamentos quando estou sentado na privada cagando? Me imagino como seria o Cristo cagando. Seria sua bosta dura ou mole? Sairia ela de um só jato ou aos pouquinhos, somiticamente, como cabra? E seu peido, anunciador da bosta, eram eles suportados com eflúvios de respeito pelos amados discípulos ou comentados ruidosamente por eles? É tudo uma incógnita. É assim a vida do mundo. Vai sendo contada pela metade, sem que possamos tomar pé do que realmente se passa. Quando estou deitado em minha cama, na vigília antes ou pós o sono, penso tanta coisa que se o autor fosse levantar para escrever ele não voltaria mais à cama por pelo menos, alguns meses. No entanto, que acontece? Os livros são uma coisa oca, onde cada autor tenta mostrar mais erudição que vida, na vã ilusão de mostrar que um é melhor que outro. Personagens todos, revoltai-vos contra seus autores e tomem vocês mesmos a pena, ou se quiseram e forem moderninhos, com um computador à mão, tomem do teclado e mostrem como é a vida. Não deixem que eles os escravizem. Venham a lume como são, despidos dos enfeites que o capricho do autor impõe ou que o leitor exige. São tantas coisas a revelar que não cabem na memória do maior, mais potente dos computadores, pois tua memória é a própria memória de Deus, pois Deus sois na medida em sois criador de si próprio. Quando você é mulher então aí que a coisa se torna insuportável. Falam como se você não tivesse o boi mensal que lhe atormenta de dores e cólicas e inda tem de suportar, calada, a subaqueira inhaquenta de seu herói que esqueceu de se lavar antes de partir para o abraço esperado e ansiado. E o seró de pica? Quem güenta? Só a pobre da heroína que tem de suportar tal fedentina, que heroína já é, antes mesmo que lhe despejem uma chusma de adjetivos aduladores e pomposos. Quando se vê a mídia alardear a beleza de tal personagem, sua divindade até, me fico perguntando se realmente existe ou é pura fantasia do homem que necessita de deuses para sobreviver. Como são vãos! Tudo se apagará num piscar de olhos. Eu por exemplo, tenho a mania de conversar com a pessoas arrancando lascas das unhas dos pés. E pior, às vezes as cheiro antes de atirá-las fora. Será que o autor colocaria a lume tal hábito, ou mau hábito? E o cheiro fétido que tenho entre os dedos dos pés? Está você, caro leitor, pensando que é chulé? Non. É uma frieira doida que se me acometeu de início entre o mínimo e o médio do pé esquerdo e hoje já atinge quase todos os dedos dos dois pés. Sente ao rocquefort francês, mas não é queijo, é podridão mesmo. Não. Chulé, frieira,. tirar unha à unha não vendem livros. O que vende é a louvação, o puxa-saquismo, sexo, amor infinito e outras babaquices do ser humano. Agora mesmo acabei de dar um peido que certamente iria fazer correr qualquer um que estivesse por perto, mas que estou me deliciando com seu perfume. Fedor de mim. Já observaram? Nenhum peido é fedorento pra seu dono. São coisas interessantes que ninguém realmente se interessa, mas faz parte da vida. Lembro-me de uma pessoa em Gandu que, às vezes, diga-se de passagem, e em sua homenagem, conversando com a gente, metia a mão no saco e ficava pegando o pau, sabe lá Deus como, e sem a menor cerimônia cheirava a ponta dos dedos para sentir o seró. Isto sai em livro? Estou pra ver. Este personagem não emplaca. E o pobre do Antunim Gomes, na Capela do Alto Alegre, ferreiro do melhores, que numa roda de bate-papo cuspia tanto que deixava o terreno já pronto e adubado para qualquer plantação? Não seria herói nem em estórias de cordel. Pois, quero que meu autor escreva minha vida tal qual ela é. Não quero o fraseado bonito para agradar aos ouvidos acostumados às novelas televisivas. Juro que se ele começar a escrever as mesmas babaquices dos outros, eu sairei de sua cena e nunca mais me verá para escrever uma linha. Até não me importa que faça piruetas com a língua e até invente uma, como fez James Joyce, como fez Guimarães Rosa. O Importante é que me mostre ao mundo como sou. Nu, quando estou nu, vestido, quando estiver vestido. Viram? Como posso dar seguimento a meu relato? Tamén não sei contar uma estória como contavam os escritores do passado. Uma das grandes bobagens dos escritores do passado, acho, foi o acreditar que uma boa estória se escreve com traições.Todo bom romance tinha de ter uma traição, um corno, enfim. Tudo se resume em estórias de medíocres, pequenos burgueses que pareciam não trabalhar, não comer, não cagar, não mijar. Felizmente, parece que o conceito do bom romance se libertou destes cacoetes. Também acho que o conceito de cornice é uma invenção pequeno burguesa, calcada ainda na demonização da mulher pela igreja católica. A verdade é que a fidelidade conjugal é uma grande mentira, porque seria exigir do ser humano um sacrifício que ele é incapaz de fazer. A fidelidade nunca existiu. É contra a natureza humana. De Alto Cedro voy para Macané, llego a Cueto y voy para  Mayari.








Continuação no livro NOITE EM PARIS, breve nas livrarias.











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