Meio-dia. Ôh sole quente. Buracos
na estrada. Enfim, cheguei. Mairi, Monte
Alegre da Bahia. Cinquenta léguas de Salvador, por Capim Grosso ou Baixa
Grande, por onde foi. Verás, verão. Intranquilo desce, tranquila cidade.
Curiosos observam. Abram as jinelas,
belas donzelas, estou chegando.
Meia-noite. Gare du Nord. Chegara
afinal. Retirar mala, berimbau, pandeiro, violão e bugingangas. Brigitte,
seu papagaio não veio. Complicações na
duana. Frio d´outono no seu rosto, folhas sob os pés, caídas.. Noite em Paris,
primeira. Saudades. Minha terra tem
palmeiras, onde canta o sabiá.
Achou a casa do tio. A
benção, Deus te abençoe, abraços, beijos. Como está comadre? Compadre tá bem?
Procurar Costinha, amigo do pai.
Costinha Jururu, (gostava do apelido, ele mesmo se apelicou, preito ao
jurubeba, vinho predileto). A carta do pai. Que o apresentasse à cidade. Orgulho de ter sido o escolhdo. Estão vendo? A quem seu pai recomendou? A Costinha, como Pelé fala na terceira
pessoa, não aos bacanas
daqui. Jururu não tem onde cair
morto, mas tem amigo na capital. A todos mostrava o escrito. Com prazer e
denodo pegava-o pelo braço, apresentando-o
a um e outro. Filho da terra, de
nossa gente, da gema, dos primeiros
habitantes. Sobrinho-neto do Coronel Francelino de Almeida, homem rico, morreu
pobre, pedindo esmolas, por não roubar, ao contrário de muita gente boa nascida pobre e hoje rica, sabe Deus como. Constrangedor
discurso, fazer o quê? Jeito todo seu.
Gare du Nord.
Saint-Lazare? Busca de hotel.
Luzes na noite, frio gélido na
cara. Na minha cara? Luso
andar em terras de Luízes. Andar brasileiro na terra dos
francos. Olhar moreno na blondice franca. Fumacê nos bares e cafés. Cachimbos, cigarros, charutos, talvez diamba. O amargo
da cerveja na garganta. Na telê, perdido na bruma, montado em cavalo branco, esganando-se por suplantar o burburinho, Adamo?, Becaud? Quem
canta assim, danadamente?
E o soldado Paulo Cobra,
que não é Norato, mas cutibóia, como o cipó,
(Era Koba mesmo. Não, não me chamem
de estalinista, Jaldo Caribé, hoje no reino da paz, - prefiro o inferno daqui
-, me fez este alerta), arranjou-lhe a primeira questão: Um desquite, (ainda
não existia divórcio). O casamento válido
só se dissolve pela morte de um dos cônjuges, dizia a lei; Não separe o homem o que Deus uniu, berra a Igreja execrando o divórcio. Criado o casamento, arengava, opondo-se ao decreto 181 de janeiro 24 de 1890: só Deus pode unir o homem
à mulher. Rui Barbosa vangloria-se de
ter divergido do mestre D. Macedo Costa:
Porque não era aturdindo as consciências com o estrépito de improvisos violentos que havíamos
de estabelecer a liberdade
religiosa: - era pelo contrário,
inquietando o menos possível as almas, e
poupando a liberdade de cultos que desejávamos firmar na máxima
plenitude e com a maior solidez, ahostilidade
das tradições crentes, em um país
educado pelo cristianismo e pela superstição. Temperança, equilibrio de Ruy; imposição,
autoritarismo eclesial, no Império e na República, não permite o
casamento religioso sem o civil. Sem direito de escolha, proibir dupla núpcias.
Religião, religião.
Com zelo e dengo um casal criava sua única filha. Escolheu,
escolheu caiu num jovem vistoso,
elegante, um pouco bandavoou mas, casou-se. Trinta dias depois, volta, chorosa
e arrependida à casa dos pais. Ainda estou
virgem mamãe, ainda sou moça papai. O velho pegou do revolver, da peixeira
e do facão, foi encontrar o genro. Seu
vagabundo, seu xibungo descarado. Que
houve meu querido sogro? Você ainda me pergunta o que houve, com esta cara sem
vergonha? Então você casa com minha filha e depois de um mês ela continua
virgem? Hehehe, ahahahaha. Agora entendi.
Como foi que eu casei com sua filha? Você casou no religioso e no civil,
seu moleque. Pois é, meu querido sogro,
estou primeiro no religioso. Ai, meu deus, gritou o sogro, que minha
velha está me devendo mais de trinta anos de cu. Hoje, depois de ter
reencontrado o oficial Mauro Gelado, no
fórum em Mairi, moreno como o nome, frio
como uma talha, razão da alcunha, tenho
cá minhas dúvidas. Quem realmente o apresentou ao primeiro cliente? Mauro, que não é Terenciano, nem poeta, nem
gramático, e única coisa que escrevia
eram certidões nos mandados, sim, lhe trouxe o desquite de João Calixto, um velho senhor casado com
mulher mais jovem, que o traía, contam, com um motorista. Ficava mais na
fazenda, deixando-a na rua pela educação dos filhos. Vinha à cidade trazer leite e mantimentos ou quando lhe subia o
fogo, normalmente baixo, pela calmaria própria da idade, pois apesar da
fanfarronice de alguns idosos, que dá uma toda noite na sua velha, todos saem
que aquilo mente como um cachorro doente. Posto que a bicha fica enzamboada,
nem sobe, nem desce de vez, fica numa espécie de limbo, em estado indefinido,
nem sólido, nem líquido, nem gasozo. Um dia, de supetão, pelos fundos da casa,
deu de cara com o amante. Correu a
espingarda, sem tempo de atirar. Sedutor,
espavorido, fugindo, (seduzido?), chinelos,
chapéu deixados, o crime deixa rastro. Desquite
litigioso, queria, desmascarada, ver a traidora. Como se todos não soubessem. O
marido, sim, o derradeiro a saber. Poderia cantar a canção:
Mas agora eu sei
O que aconteceu
Quem
sabe menos das coisas
Sabe
muito mais que eu
Traição de estapafúrdias soluções. Portugal, 1715,
Dom José assina lei. Ajudar maridos traídos descobrirem sua cornice. Quem
soubesse de uma traição deveria denunciar o chifrador, colocando chifres
em sua porta. Oferenda ao chifrudo? O coito em cama alheia sempre foi, em qualquer tempo e lugar, crime
gravíssimo, quase sempre punido com a morte, a mulher, claro, porque na maioria das vezes o sedutor nada sofria. A bela Costanza, não muito constante
a Bonarelli, o maridão, amou Bernini e seu irmão Luigi, pérfida in bis, e foi desfigurada a navalhada, a mando do
escultor, sob o beneplácito de Matteo Barberini, ou Papa Urbano VIII, de cuja
amizade um tanto quanto suspeita, gozava o artista. (será que eram amantes?
Papas existiram de todo tipo, até mulher vestida de homem. Traveco, o
Ronaldinho iria adorar.). Divino artista, homem demônio. O que não faz um
cara por uma chiranha!
No século XI, a infiel era
assassinada na praça, perante uma
multidão ávida de sangue e vingança, como inda hoje se vê entre alguns islâmicos. Tanto rigor não corrigiu o humano.
Será mesmo o coito extraconjugal mais gostoso do que o papai e mamãe de cada
dia? Esquimós e índios das américas mais sábios e felizes, sem saber o que é
cornice, até ofereciam suas mulheres
como prova de boa hospitalidade. Fazem sua praxis o ditado, lavou tá nova. Mundo doido. Imundo.
Louco mundo. Em Hong Kong, a mulher
traída pode matar seu marido desde que, com as próprias mãos, missão quase
impossível, quando se pode matar de qualquer forma a amante do marido. Que
discriminação!
Na Cité Universitaire. 7 L,
Boulevard Jourdan, La Maison du Brésil de Lucio Costa e Corbusier .A carta do
português ao amigo Quertezer (pronuncie Quertezer, oxítona. Aprenda. Na língua
lusa as palavras terminadas em i (y), l, r, u e z, se não houver acento antes,
são sempre oxítonas, esqueçamos esta palhaçada de imitar a pronúncia
anglo-americana): Leva ele muita coisa na cabeça e mais no coração. Merece sua ajuda. Tira das vistas o papel, diz ao retirante.
Paris não é lugar pra gente sem
dinheiro. Volte logo, se não quiser
morrer de fome, aqui não é o Brasil, sentenciou.
Mal sabia que 4 anos depois, em pleno Maio de 68, ali retornaria, desta vez para ocupar e expulsar daquela Casa os estudantes bolsistas, filhinhos de papai e afilhados de políticos.
Sem o menor conhecimento do sistema de operação telefônica, tomou posse da
portaria. Tudo tão confuso, como a própria revolução de jovens que não sabiam o
que queriam, sabendo apenas o que não queriam. A sociedade burguesa que
dominava França e Europa.
KaRa de fome e sorriso nos
olhos de seu povo. E língua esfarrapada em seu ouvido. A voz do sertão. Como o
canto do assum-preto, negro como os cabelos d´Iracema, a virgem dos lábios de mel. O sábado menino. Comprar rapadura, dois´tões. Sacos. Sacos de
farinha, punhado apanhado, misturar na boca. Ô m´nin, danado. O olhar curioso dos roçeiros. Seu traje, seu
trato. Uns veem o filho da terra, outro a lembrar-lhe parentesco, mesmo por trás da serra. Que
buscas tu, neste desertão? Voz partida, perdida a cara.
No cartório de Aloisio
Leal, (que não se mostrará tão leal quanto o nome diz, tu verás), o dialogo da
iniciação nas coisas da justiça. A sarará grita, esperneia, arrasa.
- Padinho, o sinhô num pode impedir que eu receba o que é meu. Num sou mais u´a
criança. O sinhô só me tem prejudicado o tempo todo. Quero tomar conta do meu. O escrivão rebate:
- Sujeitinha mal agradecida. Devia lembrar-se
do quanto eu fiz por você.
A sarará. Mulher.
Mulher-mulher.
- Sujeitinha? E o sinhô?
Um ladrão. Covarde. Correu da polícia
federal. Comunista, cagão. Se
ajoelhou nos pés do capitão. Chorão. O
inventaro é meu, a terra é minha. Só
quero o que é meu. O sinhô num pode ficar com a terra toda vida, só porque
inventou de ser ventariante.
Continuação no livro Noite em Paris, breve nas livrarias.
(Publicado sob
o pseudonimo de El Carmo na Coletânea PALAVRA POR PALAVRA, Ed. Art-CONTEMP,
Salvador, 1992)
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